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"É isso: tudo está ao alcance do homem e tudo lhe escapa, em virtude de sua covardia... Já virou até axioma. Coisa curiosa a observar-se: que é que os homens temem, acima de tudo? 'O que for capaz de mudar-lhe os hábitos': eis o que mais apavora..."

Dostoiévski

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mais um olhar sobre Machado

A IDEIA DE RUÍNA EM MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

Memórias Póstumas pode ser considerado um divisor de águas na literatura machadiana. Trata-se de uma verdadeira revolução ideológica e formal. As personagens, muito humanas, assim como seus atributos, atitudes e infortúnios, confundem-se com a própria sociedade, com as “forças do inconsciente”, como marca Alfredo Bosi. A idéia de ruína ultrapassa o nível individual e se fixa em níveis impessoais.

Com Brás Cubas, Machado quebra o paradigma romântico. A ironia do defunto/autor acentua a fraqueza e a incoerência do indivíduo através do desprezo às idealizações românticas e da queda da onisciência do narrador. A trajetória do narrador/protagonista é a representação de um destino sem grandezas, atos heróicos ou missões cumpridas. É uma trajetória de negativas, de um homem que não se casou, não foi ministro, não alcançou a celebridade e, sobretudo, não deixou descendência que herdasse o “triste legado de nossa miséria”.

Como Brás, as personagens que o rodeiam estão marcadas pela decadência e pelas não realizações. A forte presença da “linda marcela” se esvai, assim como seu romance com o protagonista, e dá lugar a uma figura medíocre, maltratada pela “doença e uma velhice precoce”. A beleza e o frescor de Eugênia tornam-se pequenos diante de uma “imperfeição” física. “Por que bonita, se coxa?” – pergunta-se Brás Cubas – “Por que coxa, se bonita?”. A decepção do pai de Brás, ao ver decair o futuro que sonhava para o filho, leva-o à morte. Nhã-loló morre precocemente. Dona plácida, que lutou dignamente contra as tragédias que o destino lhe reservou, torna-se cúmplice de um adultério. Virgília perde os dois homens de sua vida. Quincas Borba morre louco. Não são apenas personagens; são reflexo de uma sociedade egoísta, ambiciosa, efêmera, hipócrita. São o avesso dos códigos tradicionais do Romantismo.

A mesma ruína perpassa os romances de Brás Cubas. O “primeiro amor” é regado pela ambição e esquecido em apenas seis dias de viagem. Mais tarde, uma Marcela desgastada, envelhecida, surge para delimitar a importância que o antigo romance possui nas lembranças do narrador. O encanto de Brás por Eugênia é abalado quando ele descobre que a moça é coxa de nascença. Nhã-loló morre antes que os planos do namorado se concretizem. Virgília o abandona para se casar com Lobo Neves e só mantém uma relação duradoura com Brás depois de casada com o outro.

Os valores de toda uma sociedade são questionados através das famosas personagens de Machado. Em suma, a constante presença da idéia de ruína no romance revela a mediocridade e a efemeridade da elite detentora do poder. Os valores da sociedade burguesa estão centrados na busca incansável pelo poder e pela satisfação individual. Ora é a criação de um emplasto, ou de uma nova doutrina filosófica; ora a busca de uma nomeação política, de um título de nobreza, de um casamento vantajoso. A ambição e o desejo de imortalidade marcam toda a obra. É uma sociedade em ruína, um retrato da fragilidade da existência humana.

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